domingo, 5 de setembro de 2010

Nosso Lar - O Filme - Resenha

Existia grande expectativa de minha parte pelo filme “Nosso Lar” baseado num dos livros mais importantes do Espiritismo e psicografado por Chico Xavier. Uma das questões que me preocupava era o fato de colocar no curto espaço de duração de um filme uma gama de experiências tão vastas e complexas quanto as descritas no livro de forma que transmitisse credibilidade e coesão narrativa em tornar o filme lento, desconexo ou didático demais . Quando fiquei sabendo que haveria a contribuição da empresa canadense Intelligent Creatures responsável pelos efeitos especiais de Watchmen e na fotografia de Ueli Steiger (“Dia depois de amanhã”, “Godzilla”, “10.000 a.C”) fiquei bem empolgado pelo fato de que a construção visual do filme estaria em boas mãos, não por serem especialistas ou estrangeiros, mas por serem bons no que faziam. Porém houve acertos e desacertos. Vamos começar onde errou-se o tempero?

Quem leu o livro sabe que é uma história honesta sobre alguém que se vê pego de surpresa, sem chão, sem bases, sem “saber se virar” no mundo espiritual. Alguém que se descobre sem regalias, sem favorecimentos ou privilégios, coisas tão fáceis aqui na Terra, principalmente quando se tem dinheiro e prestígio como o tinha André Luiz quando encarnado, mas que adquire um contexto totalmente diferente na espiritualidade. O livro explica o porquê desse antagonismo e o caminho das pedras de quem quer “fazer diferente” para não cair nas armadilhas fáceis da vida. Bem... para transmitir verossimilhança, para passar credibilidade, é necessário descrever este processo complexo e que haja coesão na história. O problema é passar isso nos parco espaço de tempo que coube ao filme. Foram minutos muito condensados, as vezes espremidos no meio de tanta informação. Em certos momentos havia contemplação inexpressiva, a trilha sonora entrava, mas não era aí que o filme brilhava, nem no volume de informações ditadas nas falas dos personagens. Na verdade é citando-se as pessoas que entramos no ponto forte do filme, o chamado tiro na mosca que o mostra como obra de arte e forma de entretenimento além de toda a mensagem doutrinária que possa existir de fato. As pessoas fizeram a diferença nesse trabalho. Wagner de Assis utilizou-se de um orçamento que bate a casa dos R$ 20 milhões mas deveria ser necessário mais que isso. Visualizei uma criatividade e um esforço descomunal deste cineasta na intenção de produzir uma obra de arte responsável, preocupada não só em entreter, mas em não destruir, nem disseminar violência apenas deixar bons resultados, momentos marcantes. Ele se mostrou ser “o cara”, focado, centrado, porém havia muitas referências, muitos detalhes. O livro é muito rico e vasto, encontrei várias pinceladas das análises honestas e inteligentes de André Luiz que ficaram confusas para quem não é espírita pela ausência de tempo em detalhá-las, o que não inviabiliza de forma nenhuma a compreensão essencial da história, mas poderia ser melhor administrado se fosse mais econômico.

Quem não é religioso pode achar um pouco enfadonho, didático demais na primeira parte do filme, porém não encontrará motivos para isso por muito tempo porque é aí que entra na história uma personagem essencial para toda a trama de Nosso Lar o filme e que seria peça chave para a identificação com esse perfil de expectador: Eloísa, interpretada magistralmente por Rosanne Mulholland. Sem afetação ou perfeccionismo técnico, Rosanne consegue transmitir de forma espontânea a irascibilidade e rebeldia tão comuns ao ser humano, tornando-se talvez a personagem com maior empatia de forma quase instantânea por parte do público. Acaba sendo a pérola oculta do filme. Sua rebeldia faz sofrer sua avó Laura (a sempre competente “Ana Rosa”), que acaba por decidir reencarnar para trazer a neta às experiências redentoras da carne na intenção de fazê-la entender o significado da vida que Eloísa não quer aceitar, sacrifício tão comum das mães e matronas em favor de seus filhos ou netos.

Outro fator surpresa seria o ator Fernando Alves Pinto que interpreta Lísias, uma espécie de cicerone de André Luiz em Nosso Lar, filho de Laura e tio de Eloísa. Sua fisionomia a todo instante transparece recolhimento, calma, transparência de sentimentos, clareza e coerência entre atitudes e opiniões enfatizado simplicidade e nenhuma afetação moralista no tom de expressão do personagem. Renato Prieto dispensa apresentações pela segurança com que encarna o protagonista e repórter do além túmulo. Difícil não comentar também das atuações magistrais de Othon Bastos como o “Governador Anacleto”, Paulo Goulart como o Ministro “Genésio”, Inez Viana como “Narcisa”, Chica Xavier como “Ismália” e Werner Schünemann como “Emmanuel” todos irrepreensíveis. Senti muita espontaneidade e segurança quando os mesmos entravam em cena. Mas o destaque fica por conta de Aracy Cardoso como a simplória e algo dramática mas sincera “Dona Amélia” personagem com grande empatia por representar a cidadã comum, sem muita relevância na análise comum, mas dotada de boas intenções e de uma honestidade de princípios e caráter aonde seus esforços acabam sendo a “chave do paraíso” para André Luiz.
Sem a oração de Dona Amélia, André hoje poderia não ter estado em Nosso Lar ou pelo menos não ter entrado com tanta facilidade já que mérito é a chave que abre as portas do mundo espiritual assim como em Nosso Lar. Mais do que ter a capacidade “mágica” ou melhor, vibratória que os ministros e samaritanos possuem de abrir a porta da muralha de Nosso Lar a personagem de Aracy Cardoso mostra magistralmente como alguém apagado e sem valor segundo as visões materialistas do mundo na verdade pode ser tão importante e essencial para a vitória de outro paradoxalmente tão importante e prestigiado no cenário terrestre como André o foi.

A questão técnica também foi o ponto forte do filme onde a criação do cenário visual do Umbral foi digna de um “milagre” e da cidade de Nosso Lar teve o esmero de uma superprodução de Hollywood apesar de ter gasto bem menos numa relação custo benefício heróica para os padrões brasileiros. Talvez a cena mais marcante dessa fase do filme seja a cena em que André deitado no meio do nada, permanece imóvel demonstrando-se impotente diante da fatalidade inevitável de sua colheita perante os erros que cometeu em vida. Com essa imagem desoladora prova-se a inutilidade dos preconceitos mundanos que tanto prestígio dão ao homem na Terra, mas que só servem de derrocada no mundo espiritual.

 Memoráveis também são as cenas onde André fica acuado perante os habitantes do Umbral que taxam-no de suicida numa comprovação cabal de que nossos erros ficam expostos, nada permanece oculto ou impune e que os cobradores esperam pelo ressarcimento do outro lado da vida.

O filme acaba deixando um gosto de quero mais, fiquei curioso em saber como seria contada a continuação desta epopéia espiritual, mas tão deliciosamente humana, cuja riqueza de detalhes se revela prolífica na produção de no mínimo mais um filme, desta vez talvez enfocando a capacidade de regeneração e transformação através de exemplos de doação, resistência e fé dos instrutores e trabalhadores do bem no mundo espiritual. Com certeza, ainda existe muita história pra contar. Que Wagner de Assis concretize sua pretensão em filmar “Os Mensageiros” a continuação que versa sobre a volta de André Luiz à Terra em trabalho e aprendizado, maravilhoso curso de experiências que acabou nos legando obras com um olhar crítico e talentoso do homem perante a consciência eterna de sua individualidade pós morte.

Já estamos filmando?

Paz e bem! Que Jesus esteja conosco!